Mais de 24 h após passeio de moto de Bolsonaro reunir multidão sem máscara, Prefeitura do Rio não se posiciona sobre punições

Bolsonaro e Eduardo Pazuello em protesto no Rio de Janeiro, sem máscara — Foto: Jorge Hely/Framephoto/Estadão Conteúdo
Bolsonaro e Eduardo Pazuello em protesto no Rio de Janeiro, sem máscara — Foto: Jorge Hely/Framephoto/Estadão Conteúdo

Passadas mais de 24 horas após o protesto de motociclistas em favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que desrespeitou normas sanitárias, a Prefeitura do Rio ainda não se manifestou sobre o assunto.

Às 10h32 de domingo (23), a equipe de reportagem pediu pela primeira vez um posicionamento à prefeitura e à Secretaria de Ordem Pública (Seop). Não houve resposta.

O G1 também telefonou e mandou mensagens para o prefeito Eduardo Paes (DEM) e reforçou o pedido à prefeitura por e-mail e por um aplicativo de mensagens ao longo da segunda-feira. Até as 16h desta segunda, também não houve resposta.

Representação

Nesta segunda-feira (24), o deputado David Miranda (Psol-RJ) protocolou uma representação no MPRJ contra o governador Claudio Castro. Na representação, David pede que Castro seja investigado por improbidade administrativa, por ter causado danos ao erário público ao mobilizar cerca de mil policiais para o evento.

Multas após imagens

Há menos de uma semana, o próprio prefeito foi multado por cantar numa roda de samba sem máscara. A autuação foi no valor de R$ 562,42.

A multa não ocorreu no momento em que ele cantava — e, sim, depois. Isso porque um dispositivo do decreto municipal prevê a aplicação de pena “ainda que constatadas por outros meios que não a presença de agentes de fiscalização”, como imagens de redes sociais.

Com base nesse dispositivo, a prefeitura multou o Copacabana Palace em mais de R$ 15 mil por uma festa de luxo no último dia 15, mesmo depois de realizar uma vistoria no local e não encontrar irregularidade. Ao analisar imagens feitas por participantes, a Prefeitura voltou atrás e autuou os responsáveis.

As possíveis infrações da manifestação

No protesto, Bolsonaro e muitos apoiadores estavam sem máscara. O acessório é obrigatório em todo o estado e esta é uma das nove determinações que podem ter sido descumpridas.

O levantamento inclui também supostas desobediências que transcendem os limites do município, como a presença do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na manifestação.

General da ativa, ele pode ser punido pelo Regulamento Disciplinar do Exército que prevê punição para o militar que se manifeste politicamente.

As possíveis infrações se referem a decretos, artigos do código penal e do Código de Trânsito Brasileiro:

  1. Falta do uso de máscara
  2. Aglomeração
  3. Infração de medida sanitária
  4. Uso de capacete incorreto
  5. Placas de moto escondidas
  6. Falta do uso de cinto de segurança
  7. Corpo para fora do carro
  8. Manifestação de militar da ativa
  9. Pedido de intervenção militar

1. Uso de máscara

Manifestantes sem máscara em protesto no Rio — Foto: Reprodução/TV Globo
Manifestantes sem máscara em protesto no Rio — Foto: Reprodução/TV Globo

No protesto, Bolsonaro, políticos e muitos manifestantes não usavam máscara. A lei estadual 8.859 de 2020 prevê multa e advertência para quem não usá-la.

Em caso de primeira autuação, a penalidade é de R$ 111,15. Se a pessoa for reincidente, vai a R$ 222,31, podendo chegar a R$ 1.111,59.

2. Aglomeração

Manifestantes se aglomeram em ato no Rio — Foto: Reprodução/TV Globo
Manifestantes se aglomeram em ato no Rio — Foto: Reprodução/TV Globo

O decreto municipal 48.893/2021 estabelece regras para a permanência de pessoas nas áreas públicas do município, suspendendo pelo menos até 31 de maio a realização de eventos.

O decreto não cita nominalmente manifestações e se refere mais especificamente a atividades comerciais.

As multas às pessoas físicas são de R$ 562,42. As infrações podem ser feitas “ainda que constatadas por outros meios que não a presença de agentes de fiscalização”.

Vera Chemim, professora especialista em Direito Constitucional, analisou o decreto municipal. O primeiro artigo diz que dispõe sobre “funcionamento de atividades econômicas e à permanência de pessoas nas áreas públicas do município”.

“A despeito desse artigo 1º está implícito por meio dos demais dispositivos do decreto que não pode aglomerar”, afirma.

O texto autoriza também a apreensão de veículos automotores, incluindo a aplicação de multa. A Prefeitura não respondeu se alguém foi multado.

3. Infração de medida sanitária

Bolsonaro discursa em carro de som no Aterro do Flamengo — Foto: Pilar Olivares / Reuters
Bolsonaro discursa em carro de som no Aterro do Flamengo — Foto: Pilar Olivares / Reuters

O decreto municipal 48.893/2021 — sobre a permanência das pessoas em áreas públicas — cita ainda o artigo 268 do Código Penal Brasileiro, que dispõe sobre a infração de medida sanitária preventiva.

O Código Penal Brasileiro prevê detenção de um mês a um ano, além de multa, para quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Davi Tangerino, especialista em Direito Criminal, afirma que o artigo foi descumprido, inclusive pela falta do uso de máscara.

Mas faz um alerta: “Pode ser a armadilha perfeita para, caso as pessoas forem às ruas protestar contra Bolsonaro, que se tente criminalizar por meio da medida de infração sanitária”.

4. Uso de capacete

Capacete usado por Bolsonaro não é autorizado pelo Inmetro — Foto: Reprodução/TV Globo
Capacete usado por Bolsonaro não é autorizado pelo Inmetro — Foto: Reprodução/TV Globo

O presidente da República andou de moto pela cidade com um capacete que não é autorizado pelo Inmetro. Para motociclistas, o equipamento deve ter proteção nas partes laterais e traseira, além de viseira.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, condutores de motocicletas “só poderão circular nas vias” com o equipamento. Desobedecer ao artigo é considerado infração gravíssima, com penalidade de multa de R$ 293,47 e suspensão do direito de dirigir.

5. Placa escondida

Motos em protesto a favor de Bolsonaro no Rio — Foto: Reprodução/TV Globo
Motos em protesto a favor de Bolsonaro no Rio — Foto: Reprodução/TV Globo

Durante a manifestação, alguns participantes tamparam números ou letras das placas de trânsito.

O artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro considera infração gravíssima, passível de multa de R$ 293,47 e de apreensão do veículo, para quem conduz o veículo com a placa violada ou falsificada.

Isto vale para “qualquer uma das placas de identificação sem condições de legibilidade e visibilidade”.

6. Cinto de segurança

Bolsonaro circula em carro sem cinto de segurança e com parte do corpo para fora do veículo — Foto: Reprodução/APTN
Bolsonaro circula em carro sem cinto de segurança e com parte do corpo para fora do veículo — Foto: Reprodução/APTN

Ao deixar o protesto de carro, Bolsonaro não usava cinto de segurança. Não usá-lo — tanto para o condutor, quanto para o passageiro — desobedece ao artigo 167 do Código de Trânsito Brasileiro.

A infração é considerada grave, com multa de R$ 195,23 e retenção do veículo até que o infrator coloque o cinto.

7. Corpo pra fora do carro

No momento em que deixava a manifestação, Bolsonaro pôs parte do corpo para fora do veículo para cumprimentar simpatizantes.

Conduzir pessoas ou animais nas partes externas do veículo é proibido pelo artigo 235 do Código de Trânsito brasileiro. A infração é considerada grave, podendo ser multada em R$ 195,23.

8. Manifestação de militar

General da ativa, Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, participou do ato político e falou ao público.

É considerada transgressão militar “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.

O G1 questionou o Exército e o Ministério da Defesa se Pazuello tinha autorização, mas até a publicação desta reportagem os órgãos não responderam.

O colunista do G1 Octavio Guedes conversou com militares do Alto Comando das Forças Armadas, que consideraram que Pazuello desrespeitou o Regulamento Disciplinar do Exército.

São consideradas circunstâncias agravantes quando há reincidência, conluio, premeditação e presença de público.

9. Pedido de intervenção militar

Manifestante exibe cruz com frases, entre elas uma que cita "intervenção militar com Bolsonaro" — Foto: Matheus Rodrigues/G1
Manifestante exibe cruz com frases, entre elas uma que cita “intervenção militar com Bolsonaro” — Foto: Matheus Rodrigues/G1

Alguns manifestantes pediram a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a intervenção militar, o que é inconstitucional.

O que dizem os citados

O G1 entrou em contato com a Prefeitura do Rio, o Governo do Estado, o Detran a respeito dos indícios de desrespeito às regras.

Até a publicação desta reportagem, apenas o governo estadual retornou. A nota informa que o governador Cláudio Castro recepcionou Bolsonaro, “mas não acompanhou o ato”. A reportagem questionou quantas pessoas foram multadas por não usar máscara e se o presidente o foi, mas não houve resposta.

“Importante destacar ainda que a fiscalização de eventos durante a pandemia da Covid-19 é de competência das vigilâncias sanitárias municipais, que podem solicitar o apoio das Forças de Segurança do Estado”, diz a nota.

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