
O Centro Técnico Audiovisual (CTAv), instituição federal localizada na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, que guarda relíquias do cinema brasileiro, é uma amostra perfeita da barafunda em que se transformou a Secretaria Especial de Cultura do governo Bolsonaro. O lugar está caindo aos pedaços, correndo o risco de incêndio e desabamento com ratos caindo do telhado e um impressionante acervo ameaçado de destruição. Como acontece com outras instalações sob responsabilidade da pasta, a regra geral é o desleixo e o abandono. E, dessa vez, numa tentativa bisonha de resolver o problema, o secretário Mario Frias decidiu contratar em caráter de emergência e sem licitação uma empresa de fachada da Paraíba, a Construtora Imperial Eireli, aberta em 2019, sem notória especialização no que quer seja, a milhares de quilômetros do Rio e sem um único funcionário. Sua proprietária, Danielle Nunes de Araújo, beneficiária de auxílio emergencial, disse ao jornal O Globo, que o serviço “é para demolir e reconstruir um prédio lá no Rio”. Mas não há qualquer demolição a ser feita e as obras exigem alta capacidade técnica. A notícia da operação obscura para fazer a reforma do CTAv foi publicada no Diário Oficial, com a assinatura de Frias, e pode ter um custo de R$ 3,67 milhões para o erário público. O dinheiro ainda não foi desembolsado.

“Parece uma companhia inexistente. Indícios de corrupção devem ser investigados”
David Miranda, deputado federal do PSOL
Apesar da solidez da denúncia, a Secretaria Especial da Cultural chamou o caso de “fake news” e disse que o contrato emergencial do CTAv obedeceu aos requisitos legais, sendo escolhida a proposta de menor preço. Afirmou também que a empresa em questão possui inúmeros contratos anteriores com a administração pública e que a “área técnica do Ministério do Turismo observou todas as exigências legais, estando em plena execução das obras”. “Além disso, ao contrário do que foi noticiado, a contratação não foi realizada pelo Secretário Especial de Cultura”, disse em nota. Em postagens no Twitter, Frias tratou de ridicularizar a denúncia. “A mídia patética não se decide, acusam-me de bloquear bilhões de reais e logo em seguida me acusam de corrupção num contrato que sequer fiz”, disse Frias, referindo-se ao seu boicote à Lei Rouanet e ao trabalho de destruição programada feito pelo seu braço direito, o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula. Apesar de negar a realização do contrato, Frias responde diretamente pelas ações da secretaria. Segundo Miranda, se realmente não tem conhecimento do caso, é porque ele perdeu o controle da pasta.
Criada há dois anos com capital social de R$ 600 mil, a Construtora Imperial Eireli, com sede em João Pessoa, conseguiu a façanha de fechar outros 12 contratos, os “inúmeros” da nota oficial, que totalizam R$ 2 milhões com várias prefeituras paraibanas, já pagos, mas ainda não executados. O único serviço conhecido prestado pela empresa de Danielle, cujo endereço é Avenida Bahia, 644, Sala C, Caixa Postal 123, é a construção de uma bancada de granito e de mesas em um hospital da rede pública paraibana. Tratou-se de um contrato de R$ 17 mil com a Secretaria de Saúde do estado e cumprido em junho de 2020. Nada comparável ao desafio de recuperar o CTAv e preservar um valioso patrimônio histórico nacional. Frias não está nem aí para o que acontece na secretaria. Fecha contratos sem licitação com a maior desfaçatez e quer que o patrimônio público se dane.